Em
decorrência da Operação Padrão deflagrada por policiais militares, de acordo
com a qual estes se apresentarão em seus respectivos batalhões, todavia,
recusando-se a utilizar equipamentos imprestáveis ao labor, o Comando Geral da
PMPE resolveu interromper o gozo de férias, e fazer retornar às atividades
regulares, de todos os militares, policiais civis, inclusive os integrantes da
polícia científica, o que o fez via BG 230/2016 (publicado em 16/12/2016) e BG 231/2016
(publicado em 19/12/2016).
Diante
de uma abrupta suspensão das férias, muitos são prejudicados, na medida em que programaram
cirurgias; preparavam-se ou mesmo constavam em viagem com suas famílias, inclusive
investiram em pacotes turísticos; organizaram-se para acompanhar parentes
doentes; iriam dedicar-se a reformas em casa; enfim, os transtornos são vários
e os danos suportados também. E fica o questionamento: podem ser ressarcidos?
O
direito de férias é conferido pelo art. 7º, inc. XVII, da CF/88. Tal direito é
aplicável também aos militares, por força do art. 142, inc. VIII, da CF/88.
A
concessão e o gozo de férias, no âmbito da PMPE, é regulada pela Portaria 217
de 11/03/2016, do Comando Geral da PMPE, da qual destacam-se as seguintes
disposições:
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Art.
2° - As férias dos policiais militares e dos servidores públicos civis serão
concedidas com base em um Plano, observados os seguintes critérios:
I
– a concessão das férias poderá contemplar até 1/12 (um doze avos) mensalmente,
do efetivo de cada Organização Militar Estadual - OME;
II
– a concessão das férias, sempre que possível, será para gozo a partir do
primeiro dia do mês, sendo vedado o início do gozo após o último dia do mês da
concessão;
V
- a concessão das férias, no mesmo ano, poderá ocorrer em até dois períodos
iguais de 15 (quinze) dias, vedada a concessão de outras frações em qualquer
nível;
Art.
3° Nos casos de interrupção de gozo das férias ou a sua suspensão em caráter
coletivo para policiais militares, por interesse da segurança nacional, da
preservação da ordem pública, de extrema necessidade do serviço ou de
transferência para a inatividade, os procedimentos serão os seguintes:
Parágrafo
único. A concessão do gozo do restante dos dias de férias dos militares do
Estado que tiveram suas férias interrompidas ou suspensas, não prejudicará a
concessão das férias dos militares do Estado que constam no Plano Anual.
Art.
5° As férias deverão ser gozadas a partir do último mês do ano a que se referem
e durante todo o ano seguinte, sendo vedada a concessão e cassação para gozo
oportuno.
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A
Lei Estadual 6.783/74 - Estatuto da PMPE prevê o direito às férias nos arts.
49, inc. IV, alínea "i", 61, 122, inc. IV.
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Art. 61. As férias são afastamentos totais do serviço, anual e
obrigatoriamente concedidos aos policiais militares para descanso, a partir do
último mês do ano a que se referem e durante todo o ano seguinte.
§ 3º Somente em casos de interesse da Segurança Nacional, de manutenção
da ordem, de extrema necessidade do serviço ou de transferência para a
inatividade, os policiais militares
terão interrompido ou deixarão de gozar, na época prevista, o período de
férias a que tiverem direito, registrando-se então o fato em seus
assentamentos.
§ 4º Na impossibilidade absoluta do gozo de férias no ano seguinte ou no
caso de sua interrupção pelos motivos previstos, o período de férias não gozado
será computado dia a dia, pelo dobro, no momento da passagem do policial
militar para a inatividade e somente para esse fim.
Art. 122. “Anos de Serviço” é a expressão que designa o tempo de efetivo
a que se referem o artigo 121 e seus parágrafos, com os seguintes acréscimos:
IV - tempo relativo a férias não gozadas, contado em dobro.
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Percebe-se, pois, que pode a Administração Pública
suspender o direito às férias do policial militar. Do ponto de vista acadêmico
mostra-se à primeira vista um absurdo, pois se a Constituição Federal
encontra-se no topo da pirâmide de Kelsen, pela hierarquia das leis, não
poderia uma lei estadual e pior: uma portaria estadual relativizar tal
prerrogativa. Fato é que a suspensão deve dar-se por interesse da Segurança
Nacional, de manutenção da ordem e/ou de extrema necessidade do serviço,
situações que relacionam-se com o Princípio da Supremacia do Interesse Público
e, assim, estaria legitimada.
O período de férias não gozado será computado dia a
dia, pelo dobro, no momento da passagem do policial militar para a inatividade
e somente para esse fim. Importante, pois, que o PM fique atento para a
contagem correta do seu tempo de serviço quando da
inatividade.
Note-se que o acúmulo de férias não gozadas não é permitido. O
dever da Administração Pública é conceder as férias do policial e este deve
gozá-las. As férias constituem direito irrenunciável, pois destinam-se ao
descanso do policial, proporcionando-lhe a recuperação das forças, da saúde e o
seu afastamento de estresses e preocupações próprias da sua atividade. Por
isso, eventual indenização não teria a possibilidade de reparar o que é
restabelecido por ocasião das férias. Por outro lado, a jurisprudência
compreende a necessidade de conversão das férias não gozadas em indenização
pecuniária não como compensação do direito suprimido propriamente, mas porque
implicaria em enriquecimento sem causa da Administração Pública. Eis julgado de
REPERCUSSÃO GERAL pelo STF:
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1. Recurso extraordinário com agravo. 2.
Administrativo. Servidor Público. 3. Conversão de férias não gozadas – bem como outros direitos de natureza
remuneratória – em indenização pecuniária, por aqueles que não mais podem delas
usufruir. Possibilidade. Vedação do enriquecimento sem causa da Administração.
4. Repercussão Geral reconhecida para reafirmar a jurisprudência desta Corte.
(STF - ARE 721001 RG / RJ - Pleno - Rel. Min. GILMAR MENDES - DJ: 28/02/2013)
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Saliente-se que o momento para a conversão em indenização é a
partir do desligamento do serviço ativo, quando não há mais possibilidade de
concessão do direito.
Quanto a pedidos de indenização por danos morais ou materiais
sofridos em decorrência da suspensão das férias, muito embora seja louvável o
ressarcimento e moralmente indicado, acredito que as chances de êxito são remotas,
pois existe legislação prevendo a possibilidade de interrupção das férias,
exposta acima, legitimando, com isso, o ato administrativo. Infelizmente, o
problema está no âmbito legislativo, na origem normativa. É preciso que os
preceitos legais sofram alterações para o fim de acompanhar as conquistas de
reconhecimento de direitos fundamentais do ser humano, sobretudo na esfera
militar. Existe um conformismo em relação a todas as recusas aos direitos de
militares, como se antes de qualquer coisa não fossem seres humanos, isto
porque a cultura do militarismo arcaico e opressor vem sendo repassada de
geração em geração e tanto sociedade quanto oprimidos reservam-se às suas
inércias.
Registro
exaustivas buscas por julgados, entretanto, sem êxito. Inclusive, deixo aqui o
pedido de que se alguém tiver conhecimento, cite a fonte para efeito de
colaboração acadêmica.
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