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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Condução de Viatura e Acidente de Trânsito: Análise Jurídica


Em tempos de Operação Padrão deflagrada por policiais militares de Pernambuco há cerca de 30 dias, de acordo com a qual PMs se apresentarão em seus respectivos batalhões, todavia, recusando-se a utilizar equipamentos imprestáveis ao labor, eis que uma viatura envolve-se em um acidente que resulta na morte de 02 pessoas. Segundo informações, a viatura, pertencente ao 11º BPM, contendo 03 PMs, perseguia bandidos em uma moto no Morro da Conceição, zona norte do Recife, quando o motorista perdeu o controle, e acabou capotando, atingindo 04 pessoas. No total, 02 pessoas faleceram e 04 ficaram feridas, dentre estas, 02 policiais militares, um, inclusive, teria ficado preso às ferragens e quase foi vítima de linchamento.

De acordo com a imprensa local, a viatura trafegava na contramão, em uma via estreita, sem sirene ligada.

Por outro lado, há rumores - vez que os policiais militares são proibidos pela hierarquia e disciplina de externarem informações - de que o motorista não possuía o curso de treinamento de prática veicular em situação de risco conforme preceitua o art. 145, inc. IV, do Código de Trânsito Brasileiro, exigência que consta postergada de acordo com Deliberação 155 de 22 de Dezembro de 2016 do Presidente do Conselho Nacional de Trânsito, publicada no DOU de 29/12/2016, daí verificarmos a importância do referenciado curso, cuja postergação, diga-se de passagem, deu-se por iniciativa, inclusive, do atual Governador Paulo Câmara, que solicitou ao Ministro das Cidades, o também pernambucano Bruno Araújo:



Comenta-se, também, que a viatura não apresentava condições de trabalho e que, mesmo tendo-se ciência da situação, fora o efetivo obrigado a patrulhar com o veículo:



Os comentários supramencionados constam do site G1 em <http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/carro-da-pm-capota-durante-perseguicao-e-deixa-duas-pessoas-mortas-no-recife.ghtml>. Acesso em 09/01/2017 às 11:30h.

Não é novidade que os policiais militares vêm sendo vítimas de fortíssima perseguição dentro da Corporação em virtude da Operação Padrão. Nem é de hoje que são obrigados a trabalhar sob precárias condições de trabalho, razão pela qual tomamos a liberdade de debater juridicamente a condução de viatura e acidente de trânsito.

Antes de mais nada, enquanto a responsabilidade da Administração Pública é OBJETIVA, bastando a comprovação do nexo causal ente o fato lesivo e o dano, independente de dolo ou culpa, a do policial militar é SUBJETIVA, ou seja, requer a configuração de dolo ou culpa.

De acordo com o art. 29, inc. VII, do CTB gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência:

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Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
VII - os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições:
a) quando os dispositivos estiverem acionados, indicando a proximidade dos veículos, todos os condutores deverão deixar livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a direita da via e parando, se necessário;
b) os pedestres, ao ouvir o alarme sonoro, deverão aguardar no passeio, só atravessando a via quando o veículo já tiver passado pelo local;
c) o uso de dispositivos de alarme sonoro e de iluminação vermelha intermitente só poderá ocorrer quando da efetiva prestação de serviço de urgência;
d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código;
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Temos, pois, que o entendimento jurisprudencial é bastante vacilante. Compreendem alguns julgadores que a perseguição policial consiste em um CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL, sendo uma excludente de responsabilidade em caso de acidente de trânsito. Outros juristas entendem que, a despeito da expressão "gozam de livre circulação, estacionamento e parada", a viatura não pode trafegar em velocidade acima do limite permitido e sem os devidos cuidados de segurança, bem como não pode transitar na contramão.

Reza o art. 188 do CC/2002 o seguinte:

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Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
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Verificamos, pois, que as minúcias aplicáveis à configuração da responsabilidade ou isenção do policial militar em caso de acidente envolvendo viatura são muitas, colocando-o sob uma complexa e arriscada situação no exercício de sua atividade, e sem dúvidas, mercê da perspectiva jurídica, da atenção e da sensibilidade do julgador diante do caso concreto.

Vejamos julgados entendendo A FAVOR DA TESE DO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL:

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Ora, apesar de ficar muito bem comprovado nos autos de que o condutor da viatura não prestou os cuidados necessários à segurança do trânsito, pois deixou de obedecer a placa de "PARE" no cruzamento da Rua Visconde de Cairu com a Rua Odorico Mendes, vejo que a obediência das normas de trânsito pelas viaturas policiais, especialmente e exclusivamente em perseguição policial, devem ser afastadas usando a proporcionalidade e a razoabilidade que cada caso requer.
Daí, por conseguinte, afasta-se a culpa em sentido estrito, pois é inegável que o acidente ocorrera quando o servidor estava em pleno exercício da função policial militar, fazendo aquilo que a população espera que faça - combatendo o crime. Responsabilizá-lo pelos danos nessas circunstâncias seria, a meu sentir, uma rematada injustiça.
(TJ/PE - AC 241657-9 / 0123317-14.2005.8.17.0001 - 1ª Câmara de Direito Público - Rel. Des.  Luiz Carlos Figueirêdo - DJ: 17/04/2012).
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- O pedido de ressarcimento ao erário de danos decorrentes de acidente envolvendo viatura policial condiciona-se à comprovação de culpa do servidor.
- Existe a presunção de que aquele que colide com a traseira de outro veículo é o culpado pelo evento. Não se trata, porém, de presunção absoluta, mas sim relativa (juris tantum), a qual cede diante de prova em sentido contrário, motivo pelo qual restando comprovado que o acidente ocorreu quando o servidor estava em pleno exercício da função de policial militar, e que não conseguiu evitar a colisão, em virtude da parada brusca de outra viatura que liderava o comboio destinado a abordagem de suspeitos, não há como imputar-lhe a prática de qualquer ato ilícito indenizável, especialmente por não haver prova de que tenha agido com excesso doloso ou culposo no estrito cumprimento do seu dever legal.
(TJ/MG - AC 10245110233526001 - 4ª Câmara Cível - Rel. Des. Duarte de Paula - DJ: 24/05/2014).
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A circulação preferencial da viatura de polícia pressupõe a configuração da prestação emergente do serviço público relevante de segurança, além do acionamento dos dispositivos sonoro e luminoso ostentativos do procedimento, ônus do autor, por ser fato constitutivo do seu direito (CPC, art. 333, I).
(TJ/SP - APL 00044456820098260318 - 29ª Câmara de Direito Privado - Rel. Des.  Hamid Bdine - DJ: 14/05/2014).
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Nos termos do art. 29, VII, a, do CTB, os veículos da polícia, além de prioridade de trânsito, têm livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, cabendo aos demais condutores deixarem livre a passagem. O policial militar que, ao conduzir vítima de homicídio tentado até hospital, choca a viatura com outro veículo, não deve ser responsabilizado pelos danos causados, quando comprovado que o acidente se deu por motivo alheio à sua vontade e do qual não podia se desvencilhar.
(TJ/MG - EI 10024097442883002 - 2ª Câmara Cível - Rel. Des. Caetano Levi Lopes - DJ: 07/05/2013).
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Viatura que era conduzida por policial militar em serviço e em perseguição à veículo suspeito que acabou colidindo com um caminhão estacionado na via pública Acidente ocorrido em cumprimento ao dever Cerceamento de defesa
(TJ/SP - APL 8042320118260053 - 9ª Câmara de Direito Público - Rel. Des.  Moreira de Carvalho - DJ: 14/12/2012).
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Não pratica qualquer ato ilícito indenizável o Policial Militar que se envolve em acidente de trânsito durante ocorrência policial, quando não há prova de que tenha agido com excesso doloso ou culposo no estrito cumprimento do seu dever legal.
(TJ/SC - AC 860431 - 2011.086043-1 - 4ª Câmara de Direito Público - Des. Rel. Jaime Ramos - DJ: 08/12/2011).
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O acionamento das sirenes e a situação de urgência verificada são circunstâncias que autorizam a livre circulação dos veículos policiais, devendo os demais condutores deixarem livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a direita da via e parando se necessário, tal como dita o art. 29, caput e inciso VII, a e c, do CTB (...) É de se entender, então, que houve acionamento das sirenes, já que o depoimento contemporâneo à colisão, por ter maior contato com a situação vivenciada, fixa-se em favor da existência do referido acionamento. Está claro, portanto, que o dispositivo acima indicado chancelava a conduta do requerido, conferindo-lhe a possibilidade de transitar de forma irrestrita, quando em situação de urgência e com as sirenes acionadas. No caso, configura-se tanto o exercício regular do direito conferido pelo CTB (livre circulação), como o estrito cumprimento do dever legal (prevenção do crime e serviço de segurança pública), causas legais que excluem a responsabilidade civil do ofensor, dada a inexistência de ato ilícito...".
(TJ/RN - AC 156724 RN 2010.015672-4 - Des. Rel. Saraiva Sobrinho - DJ: 29/03/2011).
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Portanto, em vista desta circunstância, estando o requerido no cumprimento do estrito dever legal, e no exercício regular de sua função de policial, se permite convir pela ocorrência da excludente da responsabilidade quanto a indenização pretendida., porquanto, no momento, estando em perseguição a veículo furtado não poderia deixar de fazer a manobra, mesmo que arriscada, mas que evitasse o atropelamento de vários trausentes que estavam na calçada, apenas para evitar lesão ao patrimônio público.
(TJ/SP - APL: 992060212658 - 1ª Câmara de Direito Público - Des. Rel. Danilo Panizza - DJ: 28/09/2010).
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Julgados CONTRA A TESE DE CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL:

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Com efeito, conforme se colhe dos autos, a viatura oficial ultrapassou sinal semafórico vermelho, em alta velocidade, sem os devidos cuidados de segurança e demais normas de trânsito previstas no artigo 29, VII, d, da Lei nº 9.503/97 Código de Trânsito Brasileiro - CTB, restando caracterizado o ato comissivo imprudente do agente estatal, conforme se depreende da vistoria de fls. 227 e depoimento testemunhal de fls. 287.
Em acréscimo, de acordo com a testemunha Wagner Farias: “o normal seria a escolta ser feita com duas viaturas uma na frente e outra atrás”, já que “o intuito da escolta é evitar que haja arrebatamento do preso” e que “a viatura que deveria estar na frente teria o papel de fechar o fluxo para possibilitar o avanço da viatura escoltada” (fls. 287).
No entanto, é fato incontroverso a ausência de viatura batedora à frente daquela que conduzia a presa, que sofreu o acidente e, consequentemente, colocou a vida e segurança da detenta em risco; bem como dos demais motoristas, a exemplo do ora requerido, contra o disposto no artigo 29, VI, do CTB.
Em palavras outras, não bastasse o fato de não estar acompanhada de veículo batedor, a viatura não observou o “dever” de cuidado. Não fosse assim, como ponderou o juízo sentenciante, com argúcia, as forças de segurança do Estado, no lugar de proteger o cidadão, estariam expondo o particular a toda sorte de risco.
Afinal de contas, é certo, o fato de se tratar carro oficial viatura policial - não confere ao seu condutor o direito dirigir com imprudência, já que assim expõe-se a risco a vida e o patrimônio das demais pessoas, o que não há se admitir.
(TJ/SP - APL: 10053928520138260053 - 7ª Câmara de Direito Público - Des. Rel. Magalhães Coelho - DJ: 18/12/2015).
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No caso em apreço, consoante se verifica do contexto probatório, a viatura vinha de via secundária e abalroou o veículo segurado, que seguia pela via preferencial, sem tomar as devidas cautelas, ainda que em atendimento a ocorrência (art. 29, VII, d, do CTB).
(TJ/RS - AC 70045996477 - 12ª Câmara Cível - Des. Rel. Elaine Maria Canto da Fonseca - DJ: 15/12/2015).
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Colisão de viatura policial com motocicleta em cruzamento. Preferência de passagem da viatura ao avançar o sinal vermelho que deveria ser feita com cautela e com velocidade reduzida (art. 29, VII, d, do CTB). Acidente que resultou lesões graves ao autor. Nexo de causalidade evidenciado. Responsabilidade objetiva do estado configurada (art. 37, § 6º, CF). Danos morais caracterizados. Indenização reduzida de R$30.000,00 para R$20.000,00, em atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
(TJ/SP - APL: 00216121520128260053 - 36ª Câmara de Direito Público - Des. Rel. Milton Carvalho - DJ: 29/10/2015).
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Conforme se verifica, a colisão ocorreu no momento em que a viatura policial transitou pela contramão, em alta velocidade e abalroou o automóvel dos autores.
Os veículos policiais só tem prioridade de passagem, na hipótese referida no art. 29, VII, do Código de Trânsito Nacional e, mesmo assim, adotando-se as cautelas referidas na alínea “d”.
(TJ/RJ - APL 0007611-44.2013.8.19.0066 - 22ª Câmara Cível - Rel. Des. ROGÉRIO DE OLIVEIRA SOUZA - DJ: 13/10/2015).
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VIATURA DA BRIGADA MILITAR QUE, AO SE DESLOCAR PARA ATENDER UMA OCORRÊNCIA DE TENTATIVA DE ROUBO, ADENTROU NA CONTRAMÃO E COLIDIU FRONTALMENTE NO VEÍCULO DA VÍTIMA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPÓTESE EM QUE NÃO RESTOU VERIFICADA NENHUMA DAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA NÃO DEMONSTRADA.
(TJ/RS - AC 70065236499 - 12ª Câmara Cível - Rel. Des. Katia Elenise Oliveira da Silva - DJ: 15/07/2015).
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A prioridade de passagem da viatura oficial não exime o seu condutor de respeitar e observar as regras de trânsito, principalmente quando não está atendendo a uma situação de urgência ou emergência. A característica "oficial" do veículo não é uma carta branca para que seus condutores possam desrespeitar as mais comezinhas regras de trânsito contidas no Código de Trânsito Brasileiro, causando danos a terceiros. Estando comprovada, pelos elementos probatórios constantes nos autos, a culpa do condutor da viatura policial pelo acidente ocorrido, não há como afastar a responsabilidade do Estado de Mato Grosso do Sul pelos prejuízos advindos do sinistro, não havendo que se falar em culpa concorrente da vítima.
(TJ/MS - APL 08006723320128120005 - 4ª Câmara Cível - Rel. Des. Dorival Renato Pavan - DJ: 22/05/2014).
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1) A prioridade de passagem consagrada no art. 29, VII, do CTB não é absoluta, devendo o agente público adotar medidas para se precaver de que o uso de tal prerrogativa não ponha em risco a segurança de pedestres e daqueles que trafegam na via, tais como a utilização de alarme sonoro, giroflex, redução da velocidade etc.
2) Demonstrado que o acidente automobilístico envolvendo viatura policial em serviço de urgência e motocicleta particular foi causado pelo desrespeito do agente público ao dever de cuidado consagrado no art. 29, VII, do CTB, deve o Estado de Minas gerais responder pelos danos materiais daí advindos, nos termos do art. 37, § 6º, da CR/88.
(TJ/MG - AC 10024111844452001 - 8ª Câmara Cível - Rel. Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto - DJ: 03/10/2013).
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Acaso reste comprovado que o eventual acidente decorreu de falha técnica no veículo, evidente a responsabilidade da Administração Pública, por sua negligência em proceder à adequada manutenção à qual devem ser submetidos seus equipamentos, em afronta ao princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF/88), incidindo a sua responsabilidade objetiva (art. 37, §6º, da CF/88).

E, se a precariedade do veículo é conhecida pela autoridade superior e esta, negligenciando a informação, deixa de adotar as providências e cautelas necessárias para evitar a ocorrência de danos decorrentes dessa precariedade, por óbvio que tem-se configurada a sua responsabilidade civil, haja vista que os arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002 penalizam o infrator de uma norma ou de uma obrigação tutelada pela jurisdição estatal por uma conduta omissiva ou comissiva, sem prejuízo da responsabilidade criminal e administrativa.

Importante registrar que têm sido frequentes demandas regressivas do Estado em face do policial militar:

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Ação para ressarcimento do valor da viatura movida pela Fazenda Pública contra o condutor da viatura. Veículo que não detém sua marcha apesar da frenagem, a que se seguiu capotamento, vindo o veículo a parar somente após a colisão com dois outros automóveis que se encontravam estacionados. Verificação pericial de velocidade incompatível com a via, corroborada pelas circunstâncias do acidente. Condução em via local, próxima a ambulatório médico. Culpa caracterizada na modalidade imprudência.
(TJ/SP - AC 00373869020098260053 - 27ª Câmara de Direito Privado - Rel. Des. Gilberto Leme - DJ: 26/11/2013).
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E também de particulares em face do Estado e do policial militar:

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RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE COM VIATURA DA POLÍCIA MILITAR. Ação por meio da qual a seguradora busca em regresso o quanto despendeu para conserto de carro de propriedade da segurada. Conjunto probatório coeso que demonstra a culpa do condutor da viatura da Polícia Militar, que ao cruzar via pública acabou por colidir com veículo de particular. Sentença que condenou o condutor bem como a Fazenda do Estado confirmada.
(TJ/SP - APL 0317074-48.2010.8.26.0000 - 5ª Câmara de Direito Público - Rel. Des. Nogueira Diefenthaler - DJ: 01/10/2012).
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Por óbvio que, em caso de culpa exclusiva (ou mesmo concorrente) da vítima ou ausência de provas da culpabilidade do policial militar, não poderá haver a condenação do mesmo:

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Não logrou êxito a seguradora em demonstrar, de forma cabal, que a viatura da Brigada Militar avançou o sinal vermelho, mostrando-se inviável imputar ao Estado do Rio Grande do Sul a responsabilidade pelo ressarcimento dos valores repassados ao proprietário da caminhonete, em razão de contrato de seguro por ele firmado com a Porto Seguro. Aplicação da norma inscrita no artigo 333, inciso II, do CPC.
(TJ/RS - AC 70052599966 - 12ª Câmara Cível - Rel. Des. Mário Crespo Brum - DJ: 06/06/2013).
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RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. POLICIAL MILITAR QUE, AO TRANSITAR NA CONTRAMÃO, ATINGE UMA BARRA DE FERRO LOCALIZADA NO ACOSTAMENTO E COLIDE COM A VIATURA. PROVA COLHIDA NOS AUTOS QUE INDICA A INEXISTÊNCIA DE CULPA GRAVE OU DOLO. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. RECURSO DESPROVIDO.
(TJ/SC - AC 158219 - 3ª Câmara de Direito Público - Rel. Des. Francisco Oliveira Neto - DJ: 09/09/2011).
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Vale lembrar a vedação do “VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”, ou seja, o princípio da boa-fé objetiva proíbe que o comportamento contraditório na relação processual:

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Em outras palavras, não pode o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, nas ações em que é réu, defender a correção da manobra do seu preposto, ao conduzir a viatura da Brigada Militar, para atendimento de ocorrência policial e, ao mesmo tempo, na ação em que é autor, sustentar a conduta culposa do seu servidor, relativamente ao mesmo evento danoso, sob pena de indesejável comportamento processual contraditório.
(TJ-RS - REEX: 70048611164 - 12ª Câmara Cível - Des. Rel. Umberto Guaspari Sudbrack - DJ: 16/10/2014).
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A competência para julgamento de delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura da polícia militar e vítima civil é da Justiça Comum Estadual, conforme Súmula 6 do STJ:

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Súmula 6 do STJ
Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de trânsito envolvendo viatura de polícia militar, salvo se autor e vitima forem policiais militares em
situação de atividade.
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A jurisprudência não deixa dúvidas:

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Nesse contexto, tem-se que há decreto condenatório em desfavor do paciente proferido pela Justiça Militar, o que caracteriza flagrante ilegalidade diante da incompetência absoluta da Justiça Castrense. Com efeito, o ora paciente, policial militar, encontrava-se em situação de atividade quando do acidente de trânsito. Conforme consta da inicial acusatória, ele manobrava a viatura policial quando atingiu a vítima, que é civil. Assim, a competência para processar e julgar a ação em comento é da Justiça Comum Estadual, nos exatos termos do enunciado nº 6 da Súmula desta Corte.
(STJ - HC 328988 / SP - 6ª Turma - Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - DJ: 03/09/2015).
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I. As condutas descritas na exordial foram praticadas por policial militar, em situação de atividade, porquanto estaria supostamente perseguindo dois indivíduos envolvidos em crime de roubo, contudo, a viatura por ele conduzida atingiu o veículo onde se encontravam três vítimas civis.
II. A teor da da Súmula nº 6/STJ, "compete à justiça comum estadual processar e julgar delito decorrente de acidente de transito envolvendo viatura de policia militar, salvo se autor e vítima forem policiais militares em situação de atividade"  (Precedente).
III. Deve ser reconhecida a incompetência da Justiça Militar e, por conseguinte, anulada a ação penal desde o recebimento da denúncia, determinando a remessa dos autos à Justiça Comum do Estado de São Paulo.
(STJ - HC 223781 / SP - 5ª Turma - Rel. Min. GILSON DIPP- DJ: 07/08/2012).
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ACIDENTE DE TRÂNSITO. VIATURA MILITAR. VÍTIMA DE LESÕES.
- À Justiça Militar compete o processo e julgamento do delito resultante de acidente de trânsito em que envolta viatura da Polícia Militar, vitimado militar em situação de atividade.
- Competência declarada do juízo suscitado.
(STJ - CC 38655 / SP - 3ª Seção - Rel. Min. FONTES DE ALENCAR - DJ: 10/09/2003).
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Necessário enfatizar que STJ e STF não reexaminam fatos e provas, ou seja, análise de fatos e provas fica a critério do juiz de primeiro grau e do tribunal, não dos tribunais superiores, que restringem-se ao reexame da matéria jurídica.

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Súmula 7 do STJ
A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.
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SÚMULA 279 do STF
Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
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MARCUS VINICIUS RIOS GONÇALVES diferencia análise de prova de admissibilidade de prova pelos tribunais superiores:

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O que se proíbe nos recursos extraordinários é que reexaminem as provas dos fatos discutidos e sua aptidão para demonstrá-los.
Isso não se confunde com a discussão sobre a admissibilidade geral de um tipo de prova, para determinado tipo genérico de fato.
Por exemplo: não é possível rediscutir se a interceptação telefônica usada em determinado processo é suficiente para demonstrar os fatos que fundamentam o pedido inicial. Mas é possível, por recurso extraordinário, discutir se a interceptação telefônica, como prova, contraria a Constituição Federal.
(GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 902).
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A Constituição Federal, através do art. 37, §6º, adotou a TEORIA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO, que prescinde da averiguação do fator culpa em relação ao fato danoso. Para caracterização da mesma, satisfativa é a comprovação do nexo causal ente o fato lesivo e o dano.

O Estado deve suportar o risco inerente à sua atividade, o que a doutrina denomina de RISCO ADMINISTRATIVO. Em verdade, o agente pagador da reparação de prejuízos ao lesado não é o Estado diretamente, porquanto o importe indenizatório constitui-se a partir de contribuições dos entes da sociedade, que é a contemplada pelo poder estatal.

Quanto à indenização à qual faz jus a vítima ou sucessores desta, as condenações têm sido fixadas, em média, em no máximo R$ 100.000,00 (cem mil reais). Inclusive, o STJ firmou entendimento de ser possível a intervenção daquela Corte para aumentar o valor indenizatório nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostre irrisório:

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3.  A  Corte de origem, "de acordo com o princípio da razoabilidade, as  possibilidades  econômicas  dos  responsáveis  pelo pagamento da indenização,  a  lesão  ocorrida  na  vítima  com  resultado morte", considerou demasiado o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) fixados  na  sentença,  a cada autor, e o reduziu para R$ 100.000,00 (cem mil reais) em favor de ambos.
4.  A  jurisprudência  do  STJ  somente admite a revisão, em Recurso Especial,  do  valor reparatório dos danos morais quando configurada hipótese de manifesta irrisoriedade ou de exorbitância, o que não se verifica no caso dos autos.
(STJ - AgInt no AREsp 898292 / GO - 2ª Turma - Rel. Min. HERMAN BENJAMIN - DJ: 18/08/2016).
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1. Hipótese em que Willian Coelho ajuizou ação indenizatória em face da Fazenda do Estado de São Paulo, tendo em vista que, em 11.5.1998, foi vítima de acidente automobilístico envolvendo viatura da Polícia Militar do Estado de São Paulo  conduzida por agente da ré, causador do dano. Do referido sinistro resultaram  graves e irreversíveis lesões para o recorrente, que, entre outros gravames, sofreu paraplegia e amputação do membro inferior direito, razão por que postula o deferimento de indenização por dano material, consubstanciada em pensionamento mensal, bem como a majoração da indenização por dano moral.
(...)
7. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de ser possível a intervenção desta Corte para aumentar o valor indenizatório nos casos em que o quantum arbitrado pelo acórdão recorrido se mostre irrisório, sob pena de malferir o art. 159 do CC/1916 (arts. 186 e 944 do CC/2002). Precedente: REsp 819.202/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 22/9/2008.
8. O Juízo monocrático, atento aos fatos da causa, fixou o valor da indenização por dano moral em R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária a partir de sua fixação naquela instância e juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano, a fluir desde a data do fato, nos termos do art. 962 do Código Civil, patamar que reputo razoável, pois, embora não sirva para reparar de todo o dano, é meio idôneo para minorar a dor e o sofrimento suportado pela vítima, bem como servir de medida educativa para o agente causador do infortúnio.
(STJ - REsp 1168831 / SP - 1ª Turma - Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES - DJ: 02/09/2010).
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1. Cuida-se de Ação de Reparação de Danos Materiais e Morais contra o Estado do Rio de Janeiro, em decorrência do óbito de motorista, após colidir o veículo com viatura da Polícia Militar conduzida por agente estadual no exercício da função.
2. Hipótese em que o Tribunal de origem fixou indenização por danos morais à viúva e ao filho da vítima no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), montante que o recorrente entende excessivo.
3. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que somente em casos excepcionais é possível rever o valor da indenização, quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, o que, in casu, não se configura.
(STJ - REsp 1027318 / RJ - 2ª Turma - Rel. Min. HERMAN BENJAMIN - DJ: 07/05/2009).
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sábado, 24 de dezembro de 2016

Governo de Pernambuco Suspende Férias de Policiais Civis e Militares. Pode isso Arnaldo?



Em decorrência da Operação Padrão deflagrada por policiais militares, de acordo com a qual estes se apresentarão em seus respectivos batalhões, todavia, recusando-se a utilizar equipamentos imprestáveis ao labor, o Comando Geral da PMPE resolveu interromper o gozo de férias, e fazer retornar às atividades regulares, de todos os militares, policiais civis, inclusive os integrantes da polícia científica, o que o fez via BG 230/2016 (publicado em 16/12/2016) e BG 231/2016 (publicado em 19/12/2016).

Diante de uma abrupta suspensão das férias, muitos são prejudicados, na medida em que programaram cirurgias; preparavam-se ou mesmo constavam em viagem com suas famílias, inclusive investiram em pacotes turísticos; organizaram-se para acompanhar parentes doentes; iriam dedicar-se a reformas em casa; enfim, os transtornos são vários e os danos suportados também. E fica o questionamento: podem ser ressarcidos?

O direito de férias é conferido pelo art. 7º, inc. XVII, da CF/88. Tal direito é aplicável também aos militares, por força do art. 142, inc. VIII, da CF/88.

A concessão e o gozo de férias, no âmbito da PMPE, é regulada pela Portaria 217 de 11/03/2016, do Comando Geral da PMPE, da qual destacam-se as seguintes disposições:

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Art. 2° - As férias dos policiais militares e dos servidores públicos civis serão concedidas com base em um Plano, observados os seguintes critérios:
I – a concessão das férias poderá contemplar até 1/12 (um doze avos) mensalmente, do efetivo de cada Organização Militar Estadual - OME;
II – a concessão das férias, sempre que possível, será para gozo a partir do primeiro dia do mês, sendo vedado o início do gozo após o último dia do mês da concessão;
V - a concessão das férias, no mesmo ano, poderá ocorrer em até dois períodos iguais de 15 (quinze) dias, vedada a concessão de outras frações em qualquer nível;
Art. 3° Nos casos de interrupção de gozo das férias ou a sua suspensão em caráter coletivo para policiais militares, por interesse da segurança nacional, da preservação da ordem pública, de extrema necessidade do serviço ou de transferência para a inatividade, os procedimentos serão os seguintes:
Parágrafo único. A concessão do gozo do restante dos dias de férias dos militares do Estado que tiveram suas férias interrompidas ou suspensas, não prejudicará a concessão das férias dos militares do Estado que constam no Plano Anual.
Art. 5° As férias deverão ser gozadas a partir do último mês do ano a que se referem e durante todo o ano seguinte, sendo vedada a concessão e cassação para gozo oportuno.
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A Lei Estadual 6.783/74 - Estatuto da PMPE prevê o direito às férias nos arts. 49, inc. IV, alínea "i", 61, 122, inc. IV.

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Art. 61. As férias são afastamentos totais do serviço, anual e obrigatoriamente concedidos aos policiais militares para descanso, a partir do último mês do ano a que se referem e durante todo o ano seguinte.
§ 3º Somente em casos de interesse da Segurança Nacional, de manutenção da ordem, de extrema necessidade do serviço ou de transferência para a inatividade, os policiais militares
terão interrompido ou deixarão de gozar, na época prevista, o período de férias a que tiverem direito, registrando-se então o fato em seus assentamentos.
§ 4º Na impossibilidade absoluta do gozo de férias no ano seguinte ou no caso de sua interrupção pelos motivos previstos, o período de férias não gozado será computado dia a dia, pelo dobro, no momento da passagem do policial militar para a inatividade e somente para esse fim.
Art. 122. “Anos de Serviço” é a expressão que designa o tempo de efetivo a que se referem o artigo 121 e seus parágrafos, com os seguintes acréscimos:
IV - tempo relativo a férias não gozadas, contado em dobro.
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Percebe-se, pois, que pode a Administração Pública suspender o direito às férias do policial militar. Do ponto de vista acadêmico mostra-se à primeira vista um absurdo, pois se a Constituição Federal encontra-se no topo da pirâmide de Kelsen, pela hierarquia das leis, não poderia uma lei estadual e pior: uma portaria estadual relativizar tal prerrogativa. Fato é que a suspensão deve dar-se por interesse da Segurança Nacional, de manutenção da ordem e/ou de extrema necessidade do serviço, situações que relacionam-se com o Princípio da Supremacia do Interesse Público e, assim, estaria legitimada.

O período de férias não gozado será computado dia a dia, pelo dobro, no momento da passagem do policial militar para a inatividade e somente para esse fim. Importante, pois, que o PM fique atento para a contagem correta do seu tempo de serviço quando da inatividade.

Note-se que o acúmulo de férias não gozadas não é permitido. O dever da Administração Pública é conceder as férias do policial e este deve gozá-las. As férias constituem direito irrenunciável, pois destinam-se ao descanso do policial, proporcionando-lhe a recuperação das forças, da saúde e o seu afastamento de estresses e preocupações próprias da sua atividade. Por isso, eventual indenização não teria a possibilidade de reparar o que é restabelecido por ocasião das férias. Por outro lado, a jurisprudência compreende a necessidade de conversão das férias não gozadas em indenização pecuniária não como compensação do direito suprimido propriamente, mas porque implicaria em enriquecimento sem causa da Administração Pública. Eis julgado de REPERCUSSÃO GERAL pelo STF:

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1. Recurso extraordinário com agravo. 2. Administrativo. Servidor Público. 3. Conversão de férias não gozadas – bem como outros direitos de natureza remuneratória – em indenização pecuniária, por aqueles que não mais podem delas usufruir. Possibilidade. Vedação do enriquecimento sem causa da Administração. 4. Repercussão Geral reconhecida para reafirmar a jurisprudência desta Corte.
(STF - ARE 721001 RG / RJ - Pleno - Rel.  Min. GILMAR MENDES - DJ: 28/02/2013)
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Saliente-se que o momento para a conversão em indenização é a partir do desligamento do serviço ativo, quando não há mais possibilidade de concessão do direito.

Quanto a pedidos de indenização por danos morais ou materiais sofridos em decorrência da suspensão das férias, muito embora seja louvável o ressarcimento e moralmente indicado, acredito que as chances de êxito são remotas, pois existe legislação prevendo a possibilidade de interrupção das férias, exposta acima, legitimando, com isso, o ato administrativo. Infelizmente, o problema está no âmbito legislativo, na origem normativa. É preciso que os preceitos legais sofram alterações para o fim de acompanhar as conquistas de reconhecimento de direitos fundamentais do ser humano, sobretudo na esfera militar. Existe um conformismo em relação a todas as recusas aos direitos de militares, como se antes de qualquer coisa não fossem seres humanos, isto porque a cultura do militarismo arcaico e opressor vem sendo repassada de geração em geração e tanto sociedade quanto oprimidos reservam-se às suas inércias.

Registro exaustivas buscas por julgados, entretanto, sem êxito. Inclusive, deixo aqui o pedido de que se alguém tiver conhecimento, cite a fonte para efeito de colaboração acadêmica.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Revista Sociedade Militar publica notas desta redação


A Revista Sociedade Militar tem publicado notas desta redação sobre o caos na Segurança Pública de Pernambuco, colaborando, assim, com o combate às arbitrariedades às quais vêm sendo submetidos os policiais militares de Pernambuco em sua luta por melhores condições de trabalho. Parabéns à revista!

Eis os links:


MILITARES proibidos de DOAR sangue sem AUTORIZAÇÃO do COMANDO

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Caos na Segurança Pública de Pernambuco


Há cerca de 20 dias o Governo de Pernambuco e policiais vêm travando uma "batalha". Os PMs reivindicam melhores condições de trabalho e pagamento da remuneração na forma de subsídio. São viaturas com pneus carecas, faltando estepe, com trava da mala defeituosa, lanternas quebradas e com licenciamento vencido; coletes e munições vencidos; armas mal conservadas; não há rádio transceptores para todos ou as baterias destes estão imprestáveis, impedindo o chamamento de reforço em caso de necessidade; nas viaturas, Soldados comandam Soldados, quando a legislação estadual (Lei Estadual nº 6.783/74) determina que cabos e soldados são, essencialmente, os elementos de execução, enquanto subtenentes e sargentos de comando; etc.

O Governo, então, designou uma cúpula formada por Comandantes, os quais tomaram as rédeas da negociação na qualidade, inclusive, de representantes dos PMs, resolvendo, durante uma reunião realizada em 28/11/2016, que haveria um aumento salarial de 65% para Coronéis e de 22% para Soldados, o que gerou revolta, pois os PMs não se sentem representados pelos Comandantes, reconhecendo como seus representantes as associações respectivas, com as quais o Governo recusa-se em absoluto a dialogar.

Assim, os policiais estabeleceram a "Operação Padrão", ou seja, passaram a apresentar-se em seus correspondentes batalhões, todavia, recusando-se a utilizar equipamentos imprestáveis ao labor. Entretanto, ante as constantes perseguições e ameaças, optaram por um segundo recurso: desistiram de tirar extras.

Em virtude do insuficiente efetivo, que é de 01 policial para cada 460 habitantes, o Governo criou o Programa de Jornada Extra - PJEs, regido pelo Decreto Estadual 38.438/12, de natureza voluntária, via do qual os PMs trabalham em suas folgas e, assim, o efetivo na prática chega a dobrar, contudo, diante da desistência de tirar extras, a violência estabeleceu-se no Estado, o Governo convocou o Exército e investe cada vez mais em opressão aos militares. Os últimos atos foram:

a) Suspendeu as férias de todos os PMs, determinando o retorno ao trabalho, conforme Boletim Geral 230, emitido pelo Comando Geral da PMPE (publicado em 16/12/2016);

b) Recusar fornecer protocolo (o famoso "recebido") de pedidos de desistência de tirar PJEs para que, com isso, os PMs restassem sem comprovante de seus pedidos;

c) Determinou via BG 229/2016 (publicado em 15/12/2016) aos Diretores, Comandantes e Chefes de OMEs que orientem seus Oficiais a formalizarem as partes disciplinares, registrando as faltas, cancelamentos e desistências de militares escalados para execução de PJES, para fins de incidência das consequências disciplinares cabíveis, ou seja, tornou público que o PM que não laborar no dia da sua folga tirando PJEs sofrerá consequências disciplinares. Registre-se, ainda, o BG 231 (publicado em 19/12/2016), dando conta da instauração de processos administrativos disciplinares em face de faltas ocorridas, mesmo que tenham sido apresentados requerimentos de PMs pleiteando seus afastamentos;

d) Promoveu uma "caça às bruxas", perseguindo todo aquele que aderir à Operação Padrão. Para tanto, determinou a retirada do desconto da ACS/PE (Associação de Cabos e Soldados) em folha de pagamento e já está em curso a transferência do Presidente e do Vice-Presidente para o interior, visando desestabilizar a Operação Padrão e a ACS; alterou o serviço de PMs, determinando que alguns passem horas de pé em escalas que tomam parte da manhã e da tarde, como 10h às 16h ou à noite e madrugada para PMs que trabalhavam até então durante o dia; despromoveu de Capitão a Tenente um Oficial que estava dando força à operação;

E se a vida do policial não vale nada, pois é incumbência dele entregá-la em prol da sociedade, e impera o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, fica a dúvida: pode-se dizer que, estando a viatura comandada por indivíduos que não foram treinados para tanto, desprovidos dos mais elementares equipamentos de trabalho, está a ter-se segurança pública verdadeiramente? Parece-me que não. Ao contrário. A presença policial precária não acarreta o controle sobre o crime, e sim a certeza, em cada criminoso, de que este estará, a cada investida, diante de policiais que podem ser facilmente transfixados, que não irão longe porque o veículo está deteriorado e que não podem pedir reforço porque não possuem radiocomunicadores. A sociedade não sabe a polícia que tem, mas os bandidos analisam minuciosamente tudo de que dispõe a polícia no combate aos mesmos. POLÍCIA PRECÁRIA NA RUA TRAZ MAIS PERIGO À SOCIEDADE DO QUE PROTEÇÃO. E assim cada um ocupa a sua função no jogo: o Governo proporciona sensação de segurança, a sociedade não averigua a veracidade do que visualiza ao longe, a polícia militar cumpre a hierarquia e a disciplina a qualquer custo, e a bandidagem se organiza e se sobrepõe sobre a polícia.

Diante do exposto, os PMs fazem jus ao auxílio de juristas, da sociedade, da imprensa e dos órgãos ligados à defesa dos Direitos Humanos, no sentido de terem respeitado o direito de não trabalharem em suas folgas, posto que o trabalho ininterrupto é considerado escravo. Ademais, o direito de associação é garantido, eis que a Constituição veda sindicalização e greve, mas não o direito de associação. Ademais, todos os atos que vêm sendo perpetrados na Operação Padrão são relevantes e embasados no princípio da dignidade da pessoa humana.

ANÁLISE JURÍDICA DA SITUAÇÃO POR PONTOS

-> PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Passando a uma análise jurídica da situação, iniciando com o PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Por imposição dos arts. 5º, inc. II e 37, caput, da Constituição Federal, nas palavras do doutrinador Hely Lopes Meirelles: "Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”.

-> LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

É legítimo o direito de associação dos PMs pernambucanos. Pode o militar associar-se, de acordo com o art. 5º, incs. XVII, XVIII e XXI, da CF/88. O que é vedado ao militar é o direito de sindicalização, conforme art. 142, inc. IV, da CF/88:

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CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
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-> DA RECUSA EM FORNECER PROTOCOLO (O FAMOSO "RECEBIDO")

A todos, indiscriminadamente, é conferido o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, de petição e de obtenção de certidões, conforme dispõe o art. 5º, incs. XXXIII e XXXIV da CF/88 e art. 97, inc. IV, da Constituição Estadual de PE.

-> DA JORNADA DE TRABALHO DO PMPE

A jornada de trabalho do militar pernambucano é definida pelo art. 19 da Lei Complementar Estadual 155/10, pelo art. 5º da Lei Complementar Estadual 169/11 e Portaria 150 de 26/08/2013 do Comando Geral da PMPE, ou seja: a jornada de trabalho regular será de 08 (oito) horas diárias ou 40 (quarenta) horas semanais, ressalvadas as jornadas especiais, em regime de plantão, que observarão a proporcionalidade limite de 1/3 - uma hora de trabalho, para três de descanso.

-> DO COMANDO DA VIATURA

Sobre o comando de viatura, da análise do acervo legislativo e regulamentar da PMPE, com destaque para Decreto Estadual 17.589/94, verifica-se que o comando, subordinação e eventuais substituições norteiam-se pelo Oficial de maior grau hierárquico existente. Em momento algum verifica-se previsão de que o superior hierárquico poderá ser substituído por inferior.
Os arts. 19, 20, 35, 36, 37 e 49, inc. IV, alínea "c", da Lei Estadual nº 6.783/74 - Estatuto da PMPE estabelecem que cada cargo policial militar possui respectivo conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades, os quais devem ser compatíveis com o correspondente grau hierárquico. Tais dispositivos são taxativos e intransferíveis:

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Lei Estadual nº 6.783/74
Art. 35. O oficial é preparado, ao longo da carreira, para o exercício do Comando, da Chefia e da Direção das Organizações Policiais-Militares.
Art. 36. Os subtenentes e sargentos auxiliam e complementam as atividades dos oficiais, quer no adestramento da tropa e no emprego dos meios, quer na instrução e na administração; poderão ser empregados na execução de atividades de policiamento ostensivo peculiares à Polícia Militar.
Parágrafo Único. No exercício das atividades mencionadas neste artigo e no comando de elementos subordinados os subtenentes e sargentos deverão impor-se pela lealdade, pelo exemplo e pela capacidade profissional e técnica, incumbindo-lhes assegurar a observância minuciosa e ininterrupta das ordens, das regras do serviço e das normas operativas pelas praças que lhes estiverem diretamente subordinadas e a manutenção da coesão e do moral das mesmas praças em todas as circunstâncias.
Art. 37. Os cabos e soldados são, essencialmente, os elementos de execução.
Art. 49. São direitos dos policiais-militares:
IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas; (Acrescido pelo art. 1º da Lei nº 8.861, de 26 de novembro de 1981.)
c) a ocupação de cargo correspondente ao posto ou à graduação; (Redação alterada pelo art. 1º da Lei nº 8.861, de 26 de novembro de 1981.)
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-> DA OBRIGATORIEDADE DE FORNECIMENTO DE MATERIAL BÉLICO EM CONDIÇÕES DE PRESTABILIDADE

A obrigatoriedade de fornecimento de material é da Administração Pública.

O art. 42 do Decreto Estadual 17.589/94 dispõe as competências da Diretoria de Apoio Logístico da PMPE, dentre as quais: propor aquisição e distribuição de materiais, supervisionar a manutenção destes, coletar e fornecer relatórios sobre o estado de conservação dos mesmos. Evidentemente, em momento algum determina que o material bélico deverá ser adquirido pelo policial para uso em serviço da Corporação. Inclusive, da leitura da Lei Estadual 15.772/16, da Lei Estadual 15.755/16 e da Lei Federal 8.858/16 não se vê determinação de que algemas deverão ser adquiridas pelo policial para uso em serviço da Corporação.

O serviço em viatura não é um passeio pelas ruas da cidade em ronda a procurar o que não vai se encontrar como na música "Ronda" de Paulo Vanzolini, interpretada por Maria Betânia. É um trabalho tenso, constantemente envolvido por ocorrências que, não raras vezes, incluem troca de tiros, apreensões, prisões, etc. Porém indaga-se:

a) Como vai circular a viatura que não possui licenciamento em dia? O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), no Capítulo XVII (arts. 130 a 135) traz a obrigatoriedade do licenciamento. Excetuam-se da obrigatoriedade (art. 130, §1º, CTB) o veículo de uso bélico, definido pela Resolução Contran 570/15 como "Viatura Militar Operacional, de propriedade da UNIÃO, fabricada ou implementada com características especiais, destinada ao preparo e emprego em operações de natureza militar das Forças Armadas, no cumprimento das suas missões constitucionais e infraconstitucionais". Não estão incluídas na exceção, pois, as viaturas pertencentes aos Estados. E nenhuma viatura está isenta, pelo CTB, de possuir estepe, pneus em boa conservação, lanternas 100% funcionando, travas, etc. Não obstante, o art. art. 18, §§ 2º e 3° da Portaria 433/2000 do Comando Geral da PMPE dispõe: "As viaturas da Corporação somente deverão trafegar obedecendo às normas legais de trânsito".

b) De acordo com o art. 145, inc. IV, do CTB, o veículo de emergência, assim considerada a viatura, exige que o condutor deva ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco. Diga-se de passagem que a Resolução Contran nº 522 de 15/03/2015 de fato concede prazo até 31/12/2016 para a realização do curso.

c) Onde está respeitado o direito humano do preso, previsto no art. 1º, inc. III, da CF/88, quando conduzido no "xadrez da viatura" cuja trava da mala encontra-se avariada, colocando-o sob risco de cair e ser atropelado ou sofrer graves ferimentos, quiçá morrer? Da análise do art. 3o, inc. IV, da Portaria 433/2000 do Comando Geral da PMPE, lê-se: " Compete à Diretoria de Apoio Logístico: IV - Adotar as providências necessárias à substituição e consertos  das viaturas de serviço, após análise de orçamentos encaminhados pelas autoridades responsáveis pelas viaturas";

d) Como o efetivo vai pedir apoio (reforço) sem HTs (radiotransceptores ou hand talks)? Antes de mais nada, o HT constitui ferramenta de radio patrulhamento, técnica de segurança pública ostensiva, inerente à atividade policial militar. A obrigatoriedade da necessidade de HTs em viaturas consta do art. 22 da Portaria 433/2000 do Comando Geral da PMPE: "As viaturas de serviço operacionais, exceto as do Sistema de Informação, deverão estar equipadas com transceptor, sirene e equipamento de sinalização visual (luz lateral  de cada veículo), ficando facultativa a redução proporcional aos espaços disponíveis na carroceria". Inclusive, a DIRETRIZ DE PLANEJAMENTO Nº DGOPM – 002/09, que estabelece normas e orientações gerais para o lançamento das guarnições táticas (GTs) atreladas ao atendimento de ocorrências policiais, determina: "Cada OME deverá administrar as suas necessidades materiais (armamento, munição, coletes à prova de balas, HTs, cones, lanternas de sinalização e de iluminação etc)". O mesmo viu-se na  Portaria do Comando Geral nº 433, de 04/07/2000, e na NOTA DE INSTRUÇÃO Nº 3ª EMG - 002/2001. Acredito que aos olhos de muitos é possível ao PM guardar a arma no coldre (que ele comprou com dinheiro próprio), discar números no teclado do celular (se possuir um também comprou com dinheiro próprio), esperar que as operadoras de telefonia completem a ligação e explicar com bastante calma a necessidade de ajuda. Há, ainda, quem ache possível o envio de mensagens por redes sociais, isto se o PM possuir um smartphone e internet. A realidade é que na hora do "zara", o PM vale-se do HT, o qual possui um botão que, sendo pressionado, imediatamente abre o canal de contato com todos os dispositivos da frequência e assim ele grita sem cerimônia "apoioooooo!!!!!". A título de curiosidade, cito o caso da 3ª CIPM (Goiana/PE), uma região cercada por canaviais, onde a viatura, não possuindo HT, conta um celular, cujo número é repassado à população. Quem tiver a sorte de anotar, pode ligar e chamar a polícia. E se os policiais tiverem a mesma sorte de contar com o celular para solicitarem apoio em caso de necessidade, que Deus os abençoe. No meu modesto entendimento, sendo o HT imprescindível em viaturas, por consequência lógica, também o é no PO a pé, haja vista terem a mesma função: comunicação e chamamento de reforço entre integrantes da PM.

e) Como o policial vai enfrentar bandido armado se o colete balístico está vencido? De acordo com a Portaria 996 de 27/11/2012 do Comando Geral da PMPE, "são inservíveis os coletes à prova de balas com prazo de validade expirado ou alvejados por disparo de arma de fogo, não podendo ser utilizados, devendo, portanto, ser destruídos". Não se vê, no texto da portaria, a previsão de que deverá ser destruído no corpo do policial alvejado por bandidos. Ao contrário, dispõe a referida portaria que "As Unidades da PMPE providenciarão o recolhimento dos coletes inservíveis às respectivas Reservas de Material Bélico".

-> DO FARDAMENTO


O uniforme obrigatório em serviço de policiamento ostensivo deve ser fornecido gratuitamente às expensas do Estado de PE por imposição do arts. 73 e 74 da Lei Estadual 10.426/90, dos arts. 88 e 90 do Decreto Estadual 26.261/03, e dos os arts. 1º e 3º do Decreto Estadual 40.571/14. Quando do último movimento de policiais em 2015, ficou acertada uma concessão de auxílio-fardamento no valor de R$ 750,00 e, a partir do pagamento, passaram os praças a serem cobrados de forma muito exigente em suas apresentações. Ocorre que tal valor está absurdamente distante do custo que tem um policial quando da aquisição de uniforme (que é obrigação do Governo conceder), além dos coldres, porta coisas diversas e coturnos, além de ter natureza transitória, até então.